Ele comandou as batalhas mais importantes da União Soviética na Segunda Guerra Mundial. Num período em que o país agonizava nas mãos dos alemães, dividiu seu tempo entre o gabinete de Stálin e as frentes de batalha mais violentas do conflito. Das noites que atravessou sem dormir nem comer, debruçado sobre mapas e maquetes de cidades, saíram algumas das estratégias que definiram o rumo da guerra e da própria história da URSS. Àquela altura, a experiência no campo de batalha vinha de longa data. Ele já havia lutado com as tropas imperiais czaristas durante a Primeira Guerra, combatido ao lado dos bolcheviques na Guerra Civil Russa e, acredita-se, estivera também na Guerra Civil Espanhola, quando os soviéticos testaram (e atestaram) a eficiência de seus blindados.

Esse histórico improvável para o filho de um sapateiro com uma campesina, nascido em um vilarejo pobre não muito longe de Moscou, pertence a Georgi Konstantin Zhukov, o homem que conseguiu virar o jogo contra o poderoso exército de Adolf Hitler e afugentou os alemães até Berlim, desferindo na capital do Reich seu último golpe. Sua biografia, no entanto, é repleta de altos e baixos. O homem que impediu a queda de Leningrado e Moscou, que defendeu e atacou Kursk e Stalingrado, que entrou cheio de glórias e medalhas em Berlim, também foi banido duas vezes das mais altas instâncias da hierarquia soviética. Primeiro por Josef Stálin, que não admitiu um herói de guerra mais famoso do que ele. Depois por Nikita Kruschev, de quem foi ministro da Defesa em plena Guerra Fria e para quem passou a representar uma poderosa ameaça.

Na verdade, Zhukov chegou muito mais longe do que ele mesmo podia imaginar. Político habilidoso, foi um dos primeiros militares a conjugar a vida na caserna com os mais altos cargos do Partido Comunista. Como nenhum outro comandante em seu tempo, contrariou Stálin diversas vezes durante as reuniões estratégicas da Stavka – o órgão que reunia um seleto grupo de líderes para decidir o rumo das ações soviéticas durante a Segunda Guerra. “O comportamento de Zhukov surpreendeu-me. Falou duramente, num tom imperioso, e deixou em todos a impressão de que era ele, e não Stálin, o comandante supremo”, comentaria mais tarde o general Pavel Alekseyevich Belov, sobre um encontro da Stavka.

Disciplina e persistência

Uma descrição que nem sempre combina com um sujeito que aparece várias vezes sorrindo nas fotos, cara de senhor boa-praça, algo que não se encaixa na sisuda ortodoxia militar soviética. Senhor de uma visão inigualável do campo de batalha, era um disciplinador inflexível. Certa vez, após a queda de Berlim, condecorou um coronel que se destacara por seus feitos no campo de batalha – mas puniu-o em seguida com quatro dias de reclusão por trocar a farda por uma jaqueta de couro durante a cerimônia. A persistência era outra característica marcante. De estatura mediana, não fosse ela (a persistência), dificilmente seria aceito como cavalariano na Primeira Guerra, para lutar nas tropas do czar Nicolau II.

Desde o início, a vida militar de Zhukov não foi fácil. Em 1916, um ano após seu alistamento, ele foi lançado de seu cavalo pela explosão de uma mina. Ferido e afastado do front, perdeu parte da audição, mas ganhou suas primeiras condecorações – duas Cruzes de São Jorge, por “heroísmo em combate”. O desempenho no campo de batalha credenciou-o também a ocupar uma das cadeiras da escola de treinamento para oficiais. O primeiro passo no longo caminho em direção ao alto-comando do Exército russo estava dado.

Ascensão na carreira

As dificuldades que a Rússia enfrentou na Primeira Guerra criaram o ambiente perfeito para o movimento revolucionário, e muitas divisões, entre elas a de Zhukov, acabaram se sublevando em favor dos socialistas. Agora, era hora de lutar com os bolcheviques e alistar-se no embrião do futuro Exército Vermelho. Não demorou muito para Zhukov mostrar seu valor. Nos anos 30, os soviéticos incorporaram as primeiras unidades blindadas ao Exército. Criaram também um regimento mecanizado experimental, que logo se tornou brigada e despertou interesse especial de Zhukov. Assim como o então chefe do Estado-Maior do Exército, Boris Shaposhnikov, ele estava convencido de que os blindados deveriam ter um papel independente no moderno campo de batalha, em vez de serem empregados dispersos nas unidades de infantaria. A Guerra Civil Espanhola (1936-1939) serviu como um verdadeiro laboratório para a nova doutrina militar russa (incluindo o uso de seus tanques recém-fabricados). Embora a participação de Zhukov naquele conflito não tenha sido comprovada, é certo que ele tirou várias lições das lutas travadas nas terras de Franco. Lições que aplicaria em 1939, nas distantes planícies da Mongólia, onde aniquilou os invasores japoneses e comprovou a eficiência dos blindados como unidades independentes.

De volta à URSS, coberto pelas glórias da vitória, Zhukov não teve muito tempo para comemorar. Àquela altura, os alemães já representavam uma ameaça real a qualquer nação européia, e os serviços do comandante seriam indispensáveis para as pretensões de Stálin. A única pessoa que ainda não sabia disso era o próprio ditador.


Do czarismo à Guerra Fria
Os principais momentos na vida do marechal soviético

2 de dezembro de 1894

Georgi Konstantin Zhukov nasce no pobre vilarejo de Strelkovka, a sudoeste de Moscou, filho de Konstantyn Andreyevich Zhukov e Ustinya Artemyevna.

Agosto de 1915

Aos 19 anos, é convocado para o serviço militar, para lutar com as tropas do czar Nicolau II na Primeira Guerra Mundial.

Agosto de 1918


Alista-se no Exército Vermelho e, nos anos seguintes, luta ao lado dos bolcheviques em batalhas violentas.

Março de 1919

Já condecorado diversas vezes na vida militar, filia-se ao Partido Comunista e dá início a uma das mais notórias carreiras político-militares da URSS.

Março de 1933

É nomeado comandante da prestigiada 4ª Divisão de Cavalaria; à época, os soviéticos começam a introduzir unidades blindadas no Exército.

Maio de 1939

Comanda o Exército Vermelho numa vitória devastadora contra os japoneses na batalha de Khalkhin-Gol, na Mongólia.

Julho de 1940

O PC restitui os cargos de general e almirante, abolidos durante o expurgo, e Zhukov é nomeado general de Exército.

Fevereiro de 1941

É nomeado chefe do Estado-Maior do Exército Vermelho e elabora um minucioso plano de defesa das fronteiras ocidentais.

22 de junho de 1941
Hitler rompe o pacto de não-agressão com Stálin e invade a União Soviética. Tem início a Operação Barbarossa.

9 de setembro de 1941

Zhukov é enviado a Leningrado por Stálin, para evitar que a segunda maior cidade do país seja tomada pelos alemães. O cerco dura quase 900 dias.

Outubro de 1941


Stálin pede a Zhukov para elaborar o plano de defesa de Moscou. As tropas alemãs chegam a 50 quilômetros da capital, mas não conseguem tomá-la.

Janeiro de 1942

Os russos iniciam a contra-ofensiva idealizada por Zhukov e, bem-sucedidos, mudam completamente a configuração do front.

Agosto de 1942 a fevereiro de 1943

Soviéticos e alemães lutam em Kursk e nas esquinas de Stalingrado, com Zhukov no comando das ações do Exército Vermelho.

20 de abril de 1945
Os canhões russos fazem os primeiros disparos sobre Berlim; doze dias depois, os alemães rendem-se.

1946

Enciumado com a popularidade de Zhukov, Stálin envia o então marechal para postos irrelevantes no interior da URSS.

1953

Com a morte de Stálin, volta à cena da vida político-militar russa e integra o grupo de Kruschev na disputa pelo poder.

1956

É promovido a ministro da Defesa de Kruschev e a membro do Politburo do Comitê Central. Esmaga sem piedade o levante nacional húngaro.

1957

É afastado por Kruschev da direção do partido e destituído do cargo de ministro da Defesa. Retira-se para as cercanias de Moscou.

1964

Reabilitado, recebe grandes homenagens e começa a escrever suas memórias. Os textos são censurados e dirigidos pelo partido.

22 de junho de 1974
Georgi Zhukov morre em Moscou, vítima de um derrame cerebral.


Livre do expurgo
Zhukov escapa da perseguição de Stálin, mas sofre os efeitos da perda de cérebros no Exército Vermelho quando a Alemanha invade a URSS


Em meados dos anos 1930, Stálin acreditava que a maior ameaça ao seu comando estava dentro da própria União Soviética. A menor suspeita sobre qualquer pessoa que fosse contra o regime era suficiente para pôr sua insanidade em prática. Entre 1937 e 1938, cerca de 70% dos comandantes de corpos, 60% dos comandantes de divisão e mais da metade dos comandantes de regimento padeceram sob a fúria do ditador soviético. Dos cinco militares promovidos a marechais em 1935, apenas dois sobreviveram. Outros oficiais foram presos, espancados e torturados.
Zhukov saiu ileso da perseguição desenfreada da polícia secreta de Stálin. Um dos motivos pode ser o fato de ter sido comandante de cavalaria da Frente Sudoeste, quando recebeu o título da Ordem de Lênin, um dos mais importantes do país. Outro ponto a favor foi sua carreira política, já que ele havia se filiado ao PC em 1919. O expurgo serviu para acelerar ainda mais a ascensão de Zhukov, mas certamente lhe trouxe mais problemas do que benefícios. Quando a Alemanha invadiu a URSS, Stálin já havia dado fim às melhores e mais experientes cabeças do Exército Vermelho.