Julgamento em Nuremberg
No rescaldo da Segunda Guerra Mundial, os Aliados levaram os agressores
à justiça. Como foi que os líderes nazistas deram conta de suas ações?
à justiça. Como foi que os líderes nazistas deram conta de suas ações?
Em novembro de 1945, na cidade alemã de Nuremberg, os vencedores da Segunda Guerra Mundial iniciaram o primeiro julgamento por crimes de guerra internacional. A escolha da cidade foi significativa, pois foi ali que o Partido Nacional Socialista realizava as suas reuniões anuais.
Agora, muitos dos líderes do partido foram a julgamento por crimes cometidos, a uma curta distância da grande arena onde tinham sido festejados pelo povo alemão.
Os 21 réus vieram de origens muito diferentes. Um deles era o sucessor escolhido de Hitler Hermann Goering, um dos mais altos cargos políticos — a sua responsabilidade era total.
Outros que estavam ali eram Heinrich Himmler, chefe da temida SS, e Joseph Goebbels, chefe da propaganda. Mas a maioria deles era considerada pelo público ocidental, com ou sem razão, como peças chave de um sistema que trouxe a guerra para a Europa e custou a vida de 50 milhões de pessoas.
Eles foram acusados de conspirar em bloco para fazer a guerra e por crimes contra a paz, crimes contra a humanidade (definido como crime de genocídio) e crimes de guerra no sentido comum (abuso e assassinato de prisioneiros, assassinatos de civis e assim por diante).
Um deles, Robert Ley, mais conhecido por seu papel como chefe do grupo denominado “Movimento Alegria", se enforcou em sua cela poucas semanas antes do julgamento começar, tão envergonhado que estava com as acusações de crimes cometidos. O suicídio de Ley foi o exemplo mais extremo de alguns réus responderem ao processo.
Dois prisioneiros, em especial passaram a representar polos opostos em sua reação ao julgamento e à acusação de crimes em massa. Hermann Goering, quem Hitler escolheu como seu sucessor em 1930 era o mais extravagante e ambicioso da hierarquia do partido, preparado para defender a política de Hitler e a guerra do Reich, em vez de admitir que o que tinha sido feito era criminoso.
Por outro lado, Albert Speer, o jovem arquiteto que dirigiu o setor de armamentos da Alemanha durante a guerra, aceitou desde o início a responsabilidade coletiva dos réus pelos crimes de que eram acusados e tentou se distanciar da presença fantasmagórica de Hitler no tribunal.
Outros doze processos posteriores foram conduzidos pelo Tribunal Militar dos Estados Unidos, entre os quais se encontram os chamados Tribunal dos Doutores e Tribunal dos Juízes.
A tipificação dos crimes e abusos realizada pelos tribunais e os fundamentos de sua constituição representaram um avanço jurídico que seria aproveitado posteriormente pelas Nações Unidas para o desenvolvimento de uma jurisprudência específica internacional em matéria de guerra de agressão, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, assim como para a constituição, a partir de 1998, do Tribunal Penal Internacional permanente.
– Hermann Goering: 'Prisioneiro Número Um'
– Hermann Goering em Nuremberg, numa rara foto em cores
Querendo representar o papel de grande figura alemã, organiza uma entrevista com a imprensa aliada: inclusive quis ser recebido pelo General Dwight Eisenhower.
Mas não recebeu regalias dos aliados. Foi julgado em Nuremberg por uma infinidade de crimes, entre eles por crimes contra a humanidade e conspiração para desencadear uma guerra de agressão.
Durante o julgamento, ele foi a primeiro dos 24 acusados a falar. Goering tentou rivalizar com a inteligência do fiscal Robert H. Jackson e liderar o restante dos prisioneiros, pelo que foi separado do grupo.
Goering demonstrava estar em seus melhores momentos, procurando nos primeiros dias do julgamento, dar ao público uma grande impressão de sua pessoa e erigir-se como um ideário emulando a retórica de Hitler.
Por um momento, Jackson pensou em se declarar incompetente. Contudo, pouco a pouco foi exibindo documentos e provas gráficas (filmes e fotos), declarações de testemunhas e finalmente conseguiu desmascarar Goering. A prova mais condenatória sobre Goering foi a sua participação na chamada Conferência de Wansee, na qual se havia estabelecido uma aceleração para a Solução Final, ou seja, o extermínio em massa.
Mesmo tendo defendido a si mesmo, como também o nazismo e o Führer, as provas exibidas e posteriormente reconhecidas por Goering relativas à conspiração, promover atos para favorecer a guerra e crimes contra a humanidade, foram contundentes. No final do julgamento, Goering se achava derrotado e só respondia com monossílabos, ou fingia não escutar.
Finalmente foi condenado a pena de morte por enforcamento, principalmente por ser promotor de crimes contra a humanidade e também por ser, para os Aliados, uma figura proeminente do nazismo que se alastraria por toda a Alemanha.
Goering, a exemplo de Wilhelm Keitel, rechaçou a morte por enforcamento devido a que essa pena só se infligia aos traidores na Alemanha e sugeriu que fosse executado por fuzilamento devido a seu alto cargo militar. Seu último pedido foi recusado pelo Tribunal de Nuremberg.
Horas antes de ser executada a sentença, Goering se suicidou ingerindo uma cápsula de cianeto de potássio no dia 15 de outubro de 1946. Em sua cela foi encontrada uma carta em que assegurava ter sido o dono de seu próprio destino. Nunca foi descoberto como o veneno chegou a suas mãos, e é um grande mistério dado a extrema vigilância a que estavam submetidos os prisioneiros nazistas. Suspeitou-se de sua mulher Emmy, já que ela poderia ter subornado os guardas.
Outras hipóteses são que Goering havia escondido duas cápsulas de cianeto em um frasco de creme para a pele considerando que tinha dermatites. Foi dito também, que se fez amigo do Tenente Jack G. Wheelis, do exército americano quem vigiava os prisioneiros durante o julgamento de Nuremberg. Aparentemente Wheelis obteve o veneno que estava escondido entre os objetos pessoais de Goering que haviam sido confiscados pelo exército.
Seu corpo foi cremado, juntamente com os outros 11, dos 21 réus acusados, cujas penas foram a morte por enforcamento. Posteriormente, as cinzas foram jogadas num rio de Munique, medida tomada pelos aliados para evitar um memorial neonazista, caso eles fossem enterrados.
– Albert Speer: O 'Nazista Decente'
– Albert Speer na prisão, em Spandau
Desde o início ele atuou como um tecnocrata, eficiente e útil, disposto a dar informações bastante detalhadas sobre o armamento alemão, o desempenho econômico e estratégia. Ele foi mantido em separado dos outros criminosos de guerra e transferido para Nuremberg só no Outono, quando ficou claro que ele foi um dos escolhidos para depor.
Apesar das reservas de seu advogado de defesa, Speer decidiu que sua melhor defesa foi admitir sua parcela de responsabilidade coletiva para os crimes do regime e se distanciar ainda mais de Hitler.
Ao mesmo tempo em seus interrogatórios, ele raramente expressou sua culpa individual. Ele conseguiu se apresentar como parte do sistema, mas não uma força motriz.
Pouco antes do julgamento, enviou uma carta de quatro páginas a Robert Jackson lembrando mais uma vez de quão útil ele tinha sido como uma fonte de inteligência e informação desde sua captura.
Speer era obrigado a entrar em conflito com Goering. Goering intentou esforços para dominar os prisioneiros e para ditar o curso da sua defesa. Quando Goering foi separado dos outros presos, em fevereiro, Speer estava livre para falar abertamente sobre os crimes do regime, considerando que os demais réus não compartilharam da sua franqueza.
Speer causou surpresa quando revelou no início do julgamento que, no final da guerra, tinha tentado encontrar uma maneira de assassinar Hitler através de envenenamento com gás venenoso em seu ‘bunker’ subterrâneo. Disse que seu planejamento foi frustrado quando percebeu que haviam construído um muro por volta do duto de ventilação principal e que este estava protegido por vários guardas. Speer disse que percebeu que, em fevereiro de 1945, Hitler queria levar o povo alemão à miséria junto com ele. Após estas declarações, Speer foi chamado de traidor por Goering.
Em 1946, ele foi sentenciado a 20 anos de prisão por sua participação no regime nazista, principalmente por crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Ele cumpriu a maior parte de sua sentença na prisão de Spandau em Berlim Ocidental.
Após sair de Spandau em 1966, Speer publicou dois best-sellers autobiográficos: Por Dentro do III Reich e Spandau — O Diário Secreto, detalhando seu relacionamento com Hitler e fornecendo histórias desconhecidas sobre o Terceiro Reich. Ele ainda escreveu um terceiro livro, Infiltration, sobre a Schutzstaffel. Speer morreu de causas naturais em 1981 em uma visita a Londres.
A história de Speer permaneceu um enigma. Sem dúvida, ele se beneficiou de sua posição como se fosse um rei (cuja origem social não era muito diferente dos demais). O modo como ele manipulou a história para ganhar a simpatia ou se realmente acreditava que o regime que ele serviu foi criminoso ainda está aberta a controvérsias.
– Rudolf Hess, relegado ao esquecimento
– Rudolf Hess na prisão de Spandau
Hess foi também o personagem principal de uma história mirabolante da Segunda Guerra Mundial, quando na eminência da invasão da União Soviética pelas tropas de Hitler em 1941, embarcou sozinho num avião até o Reino Unido, saltando de paraquedas sobre a Escócia na noite de 10 de maio, quebrando o tornozelo na queda, na esperança de encontrar o Duque de Hamilton.
Hess supunha que Hamilton fosse um opositor de Winston Churchill e por isso tentou encontrar-se com ele, pois Hess julgava Churchill e seu gabinete responsáveis pelo começo da guerra e não queria negociar diretamente com eles. Sua proposta de paz foi similar àquela proposta por Hitler a Chamberlain pouco antes da invasão da Polônia: a Alemanha protegeria o Império Britânico enquanto a Inglaterra não se opusesse aos projetos alemães.
O estranho comportamento de Hess, bem como sua proposta extrema, acabaram por minar sua reputação como negociador, principalmente depois que Hamilton teve certeza de que ele não fora enviado por Hitler. Hess foi aprisionado na Torre de Londres, e Hitler divulgou a notícia de que Hess havia enlouquecido e agido por iniciativa própria. Martin Bormann tomou seu lugar no posto de adjunto.
Hess foi julgado no Processo de Nuremberg após a guerra por crimes contra a paz e foi condenado à prisão perpétua sob insistência da URSS. Durante os anos que se seguiram, ele foi o “prisioneiro número 7“. Após as liberações de Baldur von Schirach e Albert Speer em 1966, Hess tornou-se o último prisioneiro da Prisão de Spandau (Berlim ocidental). Seus guardas indicaram que sua saúde mental degradara-se profundamente, e que havia perdido a memória.
— Rudolf Hess em 31 de Agosto de 1946:
“Não me defendo de meus acusadores, aos quais não dou o direito de me acusarem, e aos meus compatriotas.
Não me defendo das acusações que competem aos assuntos internos da Alemanha, e que nada importam aos estrangeiros.
Não protesto contra as declarações que afetam a minha honra e a honra do povo alemão. Durante longos anos de minha vida me foi concedido viver ao lado do homem mais poderoso produzido por seu povo em sua história milenar. Mesmo se pudesse, não desejaria apagar esse tempo de minha existência.
Eu me sinto feliz por haver cumprido com o meu dever como alemão, como nacional-socialista e como seguidor fiel do Führer.
Não me arrependo de coisa alguma. Se tivesse de começar tudo de novo, trabalharia da mesma forma, mesmo sabendo que ao final me aguardaria uma fogueira para a minha morte.
Pouco importa o que podem fazer os homens. Comparecerei diante do Todo-Poderoso. A Ele prestarei minhas contas, e sei que me absolverá.”
Hess morreu em 1987, ainda prisioneiro em Spandau. Sua morte foi qualificada de suicídio. Hess, então com 93 anos estava quase cego e movia-se com extrema dificuldade. Segundo a versão oficial, ele foi até a casa do jardim, colocou um cabo elétrico ao redor do pescoço e cometeu o suicídio. Entretanto, as declarações de sua enfermeira pessoal também colocam
em xeque a versão oficial. Ela encontrou Hess sem sinal de vida no interior da casa do jardim. Tentando reanimá-lo pediu a bolsa de primeiros socorros que segundo ela, "foi entregue com uma grande demora, exageradamente longa" e que lhe chegou às mãos já aberta, com os instrumentos cirúrgicos destruídos e a garrafa de oxigênio vazia.
Esta enfermeira que acompanhou os últimos 5 anos da vida de Rudolf Hess afirma que "Hess tinha muita artrite nas mãos e já estava bastante fraco para se manter de pé sem apoio. Ele não conseguia amarrar os cadarços dos seus sapatos nem levantar os braços a uma altura suficiente para colocar um cabo no seu pescoço, embora a autópsia das autoridades inglesas e americanas afirmarem ter sido suicídio."
Uma segunda autópsia foi efetuada a pedido do seu filho. Wolf Hess contratou um patologista famoso, o Professor Dr. Spann do Hospital de Munique. A sua conclusão desmente a opinião do médico Britânico, professor James Malcom Cameron: "Muito provavelmente Rudolf Hess foi estrangulado por detrás por outra pessoa".
Mesmo após a sua morte este homem ainda afligia os seus carcereiros. Assim tentaram sepultá-lo em lugar onde ninguém soubesse. Só a firme intervenção do seu filho impediu a concretização deste propósito. Recuperado o corpo pôde, no dia 28 de abril de 1988, repousar no cemitério da família. Ainda assim a cerimônia só foi realizada de madrugada, com familiares mais próximos, não podendo exceder os 2 minutos, tudo por imposição das autoridades que através da polícia controlava tudo; desde o cemitério à cidade.
Após a morte de Hess, neonazistas da Alemanha e de toda a Europa se encontraram em Wunsiedel, onde ele foi enterrado, para uma “marcha pela memória“. Essas manifestações repetem-se a cada ano, no dia da morte de Hess, apesar de proibidas de 1991 a 2000 (anos durante os quais as marchas ocorreram em diversas cidades das redondezas). As marchas de 2002 e 2003 (novamente autorizadas) reuniram 2500 neonazistas.
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Bibliografia: Livros, jornais e revistas da época. – Arqu
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