quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Melhores generais da Alemanha não obedeciam Hitler


Irapuan Costa Junior
Melhores generais da Alemanha não obedeciam Hitler
A morte de Osama bin Laden fez lembrar a execução do almirante Isoroku Yamamoto (1884-1943) na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), autorizada pessoalmente pelo presidente americano, Franklin Delano Roosevelt. O brilhante militar japonês era o autor do plano do ataque a Pearl Harbor. O serviço secreto americano identificou com antecedência o percurso de uma viagem aérea que ele faria nas Ilhas Salomão, em abril de 1943. Caças foram enviados para interceptá-lo e tiveram êxito. A morte de grandes chefes, na guerra, se não conseguida, foi sempre desejada por seus inimigos, dado o poder de desarticulação dos liderados destes, sempre que se logra eliminá-los. Ainda na  Segunda Guerra, logo após o desembarque aliado na Normandia, falou-se num possível assassinato de Eisenhower, que seria levado a cabo por um comando alemão chefiado pelo famoso Otto Skorzeny. Embora mais tarde tenha sido desmentido, o boato fez com que Eisenhower ficasse recluso por vários dias, temeroso de uma ação desse naipe.

Um atentado cuidadosamente planejado, mas malogrado, foi o de matar Erwin Rommel (1891-1944), em seu quartel general na cidade líbia de El-Beda (Beda Littoria, para os italianos), em 17 de novembro de 1941. Após bater vergonhosamente os italianos no norte da África, os ingleses viram desembarcar no porto líbio de Marsa El Brega, no golfo de Sirte, em fevereiro de 1941, uma divisão blindada alemã denominada DAK, abreviatura de Deutshes Afrika Korps. Era comandada por um general de que pouco se sabia, além do nome: Rommel. Os ingleses, confiantes depois de muitas fáceis vitórias sobre os mal equipados e desestimulados italianos, não se preocuparam muito. Afinal, era apenas uma divisão blindada, e que não conhecia ainda as condições de combate no deserto. Os alemães deviam estar ali apenas para dar um pouco de apoio aos italianos e executar algumas operações de defesa. Aí começaram dois anos de pesadelo para os britânicos. O competente e carismático general alemão haveria de fazer com os ingleses o que estes haviam feito com os italianos: inflingir-lhes derrota atrás de derrota, e fazê-los correr pelo deserto, de retirada em retirada, sempre batidos por forças aguerridas, embora pouco numerosas, comandadas por um chefe rico em estratagemas surpreendentes.

Não demorou em que, na inteligência britânica, se pensasse em eliminar aquele general que parecia invencível. Os planos, elaborados no mais alto escalão da espionagem britânica, previam enviar um comando inglês, da unidade de elite “Long Range Desert Group”, composto de soldados preparados e experimentados, para um golpe de mão contra o quartel general de Rommel, em El-Beda, surpreendendo-o e o executando no ato. Contava-se com o fator desestabilizador no seio da tropa alemã, onde Rommel gozava de extraordinário conceito, que beirava mesmo a lenda. Dizia-se que Rommel tinha uma proteção superior que lhe conferia um corpo fechado, e que “a bala que mataria Rommel ainda não havia sido fundida”. Foi encarregado da operação o próprio filho do planejador, almirante Roger Keyes, um major destemido chamado Geoffrey Keyes. A operação terminou em fiasco. Embora conseguisse penetrar no quartel, e matar vários oficiais e soldados, o comando inglês foi dizimado. Geoffrey Keyes foi o primeiro a cair na reação alemã. Os que não morreram no local foram capturados nos dias seguintes, sem poder alcançar os submarinos Tobay e Talismã que os aguardavam na costa. Rommel sequer se encontrava no quartel. O irrequieto comandante alemão sempre inspecionava pessoalmente as frentes de combate e mudava constantemente seu quartel general. Rommel estava numa dessas viagens na noite do ataque. E seu quartel nem estava mais em El-Beda, mas a muitos quilômetros de distância, perto de Tobruque. A espionagem britânica falhara.
A tentativa de matar Rommel foi contada no livro “Afrika Korps”, do jornalista alemão Paul Carell, publicado no Brasil pela Editora Flamboyant, em 1964. Na mesma época, e pela mesma editora, saiu aqui outro livro de Paul Carell, sobre a invasão aliada na Normandia, com o título de “Invasão 44”, que muitos acham superior ao clássico sobre o assunto, “O Dia Mais Longo dos Dias”, do historiador irlandês Cornelius Ryan.

Paul Carell não foi o nome de batismo do jornalista alemão. E a mudança de nome foi como um pedido de esquecimento. O nome real era Paul Karl Schmidt (1911-1997). Ele foi membro do partido nazista e oficial da SS, embora tenha sempre trabalhado no setor da propaganda. Foi assessor de imprensa do ministério das Relações Exteriores nazista, então ocupado por Joachim von Ribbentrop (1893-1946), que mais tarde seria enforcado em Nuremberg. Muito competente, era um dos poucos propagandistas alemães que trabalhava fora das ordens de Goebbels. Foi responsável pela célebre (pela feição gráfica muito avançada para a época) revista “Signal” que a Alemanha enviava, em várias línguas, para os países ocupados e neutros. Paul Carell foi julgado em Nuremberg, mas conseguiu sair livre. Tornou-se jornalista e escritor de sucesso. Conheceu Rommel pessoalmente e escreveu sua história do Afrika Korps com muita precisão e detalhes, fruto de longa pesquisa nos arquivos alemães, italianos e britânicos.

Paul Carell mostra em seus livros que os melhores generais alemães eram os que desobedeciam a Hitler, principalmente o melhor tático, que foi Rommel, e o melhor estrategista, que foi Erich von Manstein (1887-1973). Rommel desembarcou no norte da África com uma diretriz de Hitler no bolso, determinando que assumisse uma posição de defesa e limitasse qualquer operação ofensiva a cerca de 100 quilômetros. Em pouco tempo, fazendo aproveitamento de êxitos, avançou quase dez vezes isso. Como teve grandes vitórias, não foi admoestado pelo Führer. Carell defende a tese de que Stalingrado não representou a derrota alemã. Que se as ideias de Manstein fossem seguidas, a Alemanha ainda poderia ter derrotado a União Soviética. Manstein tentou sem sucesso mudar a tática hitleriana de resistência estática aos avanços soviéticos “até o último homem”. Defendia uma guerra mais elástica, com retraimentos, que permitiriam um avanço soviético, para depois atacar o inimigo pelos flancos, como havia feito com sucesso muitas vezes. Tanto bateu de frente com o ditador que foi afastado do comando, em março de 1944. Foi substituído por Walter Model, um nazista convicto, totalmente obediente a Hitler. O desastre se precipitou, e a guerra só durou mais um ano.

Tanto Rommel quanto Manstein eram militares de tradição, não nazistas e apolíticos. Ambos deixaram livros escritos, logicamente interessantes, ainda que enfadonhos pela linguagem estritamente de caserna. Rommel escreveu um tratado militar chamado “A Infantaria Ataca”, que foi traduzido para o português e publicado no Brasil em 2008 pela Bibliex. Escreveu também suas memórias de combate. Foi obrigado por Hitler a se suicidar para evitar perseguições a sua família. Era suspeito de ter participado do atentado a bomba que quase matou o ditador em 20 de julho de 1944. Manstein escreveu suas memórias de guerra com o título “Vitórias Perdidas”, que não foi traduzido para o português. Sobreviveu à guerra, foi processado em Nuremberg, mas não condenado. Participou da reorganização do exército alemão no pós-guerra e da Otan.

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